“Que a igreja seja Igreja”
(Por Pr.
Claudionor de Andrade)
Hoje,
durante o almoço, um convidado ilustre, dispensando exórdios e etiquetas,
perguntou-me: “Qual o maior desafio da igreja evangélica?” A pergunta não
chegou a surpreender-me, porque eu já vinha maturando o assunto. Não tive, por
isso, dificuldades em responder-lhe: “Nosso maior desafio, hoje, é voltar a ser
Igreja”.
Como não tinha tempo para costurar outras considerações, generalizei umas coisas aqui, especifiquei outras ali. E calei-me sobre muitas. Não sei se o meu interlocutor deu-se por satisfeito. Mas, naquele momento, era tudo o que eu podia dizer-lhe.
Como não tinha tempo para costurar outras considerações, generalizei umas coisas aqui, especifiquei outras ali. E calei-me sobre muitas. Não sei se o meu interlocutor deu-se por satisfeito. Mas, naquele momento, era tudo o que eu podia dizer-lhe.
Gostaria de haver explicado
àquele homem gentilmente culto que, à medida que nos robustecemos como
organização, debilitamo-nos como organismo. E, se ganhamos alguma coisa em
quantidade, já começamos a perdê-la por falta de qualidade. O futuro? Só Deus
sabe. Infelizmente, o que tanto temíamos acabou por acontecer: o nominalismo já
é uma epidemia entre nós. Por isso, é-nos bastante apropriado o diagnóstico que
o Senhor fez de Sardes: “Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives e
estás morto” (Ap 3.1).
Tornamo-nos ricos, poderosos, influentes. Bastamos a nós mesmos. Hoje, não precisamos mais evangelizar para crescer. O aumento vegetativo é suficiente para manter-nos a pujança dos números. Então, por que gerar filhos espirituais se os bebês, apesar de raros, ainda nos incham os róis e as estatísticas? Nessa dormência espiritual, crescemos para dentro e minguamos para fora.
Nossas demandas internas são tão urgentes, que já não temos tempo para tratar de coisas importantes como evangelismo e missões.
Florescemos como império. Mas,
como Reino de Deus, murchamos. Os passos encurtaram e diminuíram, mas os paços
alongaram-se e fizeram-se mais suntuosos. E os nossos pés? Dantes tão
calejados, porém formosos, agora são mais delicados que os da esposa de
Cantares. E, nem por isso, fizeram-se mais limpos.
Antes, éramos arrolados entre os
mártires, agora, enrolados com os ricos e famosos. Outrora pobres,
enriquecíamos a muitos. No presente, temos ouro e prata, porém já não temos
autoridade para declarar: “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e
anda!” (At 3.6) Sim, de nada temos falta. Mas a nossa miséria espiritual já não
pode ser disfarçada. Como se não bastasse, ainda nos orgulhamos de uma visão
administrativa que vê tudo, menos o Reino de Deus na manjedoura.
Ontem, o mundo nos odiava, porque
éramos biblicamente corretos. Hoje, o seu príncipe nos bajula, por estarmos
entre os política e socialmente conformados. Ganhamos influência junto aos
palácios e câmaras, mas já não temos ousadia junto ao trono daquele cuja
soberania não deve ser ignorada.
No início, a igreja era
evangelizadora. Agora, meramente evangélica. Se no passado fazíamos história,
no presente, nem históricos somos. Já não temos perspectiva quanto ao futuro.
Perdemo-nos no tempo, e já não temos noção de eternidade.
Sim, há exceções e não são
poucas. No entanto, fizemo-nos conhecidos não pelas exceções, mas pela regra
geral. Se as exceções fazem o cristianismo invisível e militante, a regra geral
dá corpo e forma à cristandade visível e já bem acomodada a este século. Se não
podemos arrancar o cristianismo da cristandade apóstata, que pelo menos lhe
estanquemos as apostasias.
Ontem o joio entre o trigo. Hoje,
o trigo entre o joio. E, pouco a pouco, vai a erva daninha sufocando a boa
semente.
O que aconteceu conosco? John
Stott foi buscar três simples palavras para descrever a igreja evangélica de
nossos dias: “Crescimento sem profundidade”. O seu diagnóstico é preciso e
doloroso. O teólogo britânico referia-se não somente à igreja de seu país, mas
também à do Brasil, pois não deixamos de ser um reflexo do que acontece no
universo evangélico europeu e norte-americano.
Antes, a espiritualidade da
igreja era aferida pela Bíblia. Hoje, pelo IBGE. Regozijamo-nos com
estatísticas e gráficos. Será que a lição de Davi não é suficiente? O filho de
Jessé, mais preocupado com o seu império do que com o Reino de Deus, ordenou a
Joabe que levantasse o censo de Israel. Julgado pelo Senhor, aprendeu: Deus não
precisa de multidões para estar entre o seu povo. Bastam-lhe três santos, e em
nosso meio estará para sempre.
Por falta de senso, recorremos ao
censo. Os recenseamentos, porém, não nos medem o cristianismo; limitam-se a
aferir-nos a cristandade. Se aquele é pouco, esta é muita. É por isso que nos
alegramos quando promovemos um político, mas não externamos a mesma alegria
quando um missionário sai ao campo.
Neste reino de indiferença e
mornidão, a pergunta faz-se império: “Como a igreja voltará a ser Igreja?” Em
primeiro lugar, que nos voltemos ao cristianismo e fujamos à cristandade. Esta
jamais deixará de ser visível e vistosa. Mas aquele, posto que invisível, que
ressurja com as propriedades todas do sal e da luz. Assim recomenda o Senhor:
“Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” Mt 5.16).
Em seu livro Cristianismo Básico,
John Stott é incisivo: “O que então devemos fazer? Devemos assumir um
compromisso pessoal com o Senhor Jesus, de coração e de mente, alma e vontade,
entregando nossas vidas a ele, sem reservas. Devemos nos humilhar diante dele.
Devemos confiar nele como nosso
Salvador e nos submetermos a ele como nosso Senhor; para então assumirmos
nossos lugares como membros fieis da igreja e cidadãos responsáveis dentro da
comunidade”.
Diante do exposto, urge
resgatarmos o termo “evangélico”. Desgastado midiaticamente, tornou-se um
sinônimo mero e ordinário de riqueza, sucesso, atrevimento e blasfêmia. Não me
atrevo a apontar culpados, pois todos somos responsáveis pelo que vem
acontecendo.
Contudo, jamais haverei de isentar a famigerada Teologia da Prosperidade que, com a sua ação preferencial pelos ricos, transformou a igreja evangélica num arremedo teológico. Seus proponentes, sempre tão gabarolas e fanfarrões, substituíram a excelência da vida cristã pelo êxito de uma existência cheia de vazios.
Contudo, jamais haverei de isentar a famigerada Teologia da Prosperidade que, com a sua ação preferencial pelos ricos, transformou a igreja evangélica num arremedo teológico. Seus proponentes, sempre tão gabarolas e fanfarrões, substituíram a excelência da vida cristã pelo êxito de uma existência cheia de vazios.
Não quero a destruição da igreja
evangélica, mas espero que ela seja também evangelizadora. Anseio que ela seja
mais cristianismo que cristandade, que aumente como Reino e diminua como
império. E que, crescendo, não venha a inchar. Ela não precisa minguar em
quantidade, mas é urgente que venha a crescer em qualidade. Para que isso
aconteça, é preciso que eu e você avivemo-nos pela Palavra de Deus.
Eu gostaria de ter dito tudo isso
ao meu interlocutor durante o almoço de hoje. Mas tive pouco tempo. Já em minha
sala, agradeci a Deus pela pergunta que me fez aquele homem. Num momento como
este, as indagações são mais necessárias que as respostas, pois nos levam ao
arrependimento e às respostas que somente Deus pode dar-nos.
Como herdeiros espirituais de
Daniel Berg e Gunar Vingren, não fujamos à mensagem simples, mas eficaz, do
Evangelho: Jesus Cristo salva, batiza com o Espírito Santo, cura, opera sinais
e maravilhas e, brevemente, levar-nos-á para o Céu.
Que a igreja seja Igreja!
Obs. Li no oassembleiano.com através do pointrhema.com.br
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Claudionor
de Andrade é
Consultor Teológico da CPAD, membro da Casa de Letras Emílio Conde, teólogo,
conferencista, Comentarista das Revistas Lições Bíblicas da CPAD, apresentador
do programa radiofônico “O Som da Profecia” da Rádio CPAD FM 96.1 em João
Pessoa (PB), e autor dos livros “As Verdades Centrais da Fé Cristã”, “Manual do
Conselheiro Cristão”, “Teologia da Educação Cristã”, “Manual do Superintendente
da Escola Dominical”, “Dicionário Teológico”, “As Disciplinas da Vida Cristã”,
“Jeremias – O Profeta da Esperança”, “Geografia Bíblica”, “História de
Jerusalém”, “Fundamentos Bíblicos de um Autêntico Avivamento”, “Merecem
Confiança as Profecias?”, “Comentário Bíblico de Judas”, “Dicionário Bíblico
das Profecias” e “Comentário Bíblico de Jó”, dentre outros títulos da CPAD.
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